(A peça começa com um barulho de colisão. No fundo da cena, há uma escultura de papelão simbolizando uma capivara que acabou de ser atropelada. Um homem sai do carro em destroços, ainda assustado, verificando os ferimentos.)
O homem: Uma capivara? Pensei que tivesse atropelado um homem. De onde ela surgiu? Eu estava no máximo a 100 por hora. Dentro do limite. E agora? Como vou avisar a minha mulher que eu vou chegar em casa atrasado? E os meus filhos? Perdi o celular. Estou vivo. Nem acredito.
(Aparece um guarda rodoviário em uma moto).
O guarda: O sr. está multado.
O homem: Eu não tive culpa.
O guarda: E ainda terá que responder por ter matado um animal silvestre protegido pelo Ibama.
O homem: Foi a capivara que entrou na minha frente. Tentei frear, mas capotei. Em vez de o sr. perguntar se eu estou bem, quer proteger a capivara?
O guarda: Aqui é uma área com muitas capivaras. O sr. deveria saber disso e tomar mais cuidado.
O homem: Eu sei, mas como poderia prever que ela iria passar na minha frente? O meu carro não tem radar anticapivara.
O guarda: Mas deveria. Eu posso prendê-lo por desacato à autoridade.
(Uma nova colisão. Aparece mais uma capivara atropelada no meio do palco).
O guarda: O motorista fugiu. (Ao homem): Você anotou a placa? Mais uma capivara inocente morta.
O homem: Essas capivaras são um perigo.
O guarda: Vocês, motoristas, é que são um perigo. Em primeiro lugar, as capivaras.
O homem: Uma família inteira morreu no Paraná após atropelar uma capivara. Eram todos amigos meus. Sete pessoas morreram entre Araras e Rio Claro em janeiro deste ano pelo mesmo motivo. Deveriam matar um certo número de capivaras para evitar mais catástrofes e ainda serviriam como alimento para as pessoas carentes.
O guarda: Que absurdo. Comer capivaras? O sr. comeria um ser humano para matar a sua fome?
O homem: Capivara não é gente.
O guarda: Mas é como se fosse.
O homem: O sr. não come carne de vaca, porco, frango, peixe?
O guarda: É claro, mas capivara não. Capivara é animal silvestre.
O homem: Mas ninguém pensou nisso quando a população aumentou vertiginosamente. O senhor sabia, com todo respeito, que há milhares de capivaras só aqui na região?
O guarda: Por isso mesmo é que merecem proteção.
O homem: E quem protege? O sr. não está me entendendo.
O guarda: Está me chamando de burro, ignorante?
O homem: Não, não é isso.
O guarda: Quase todo mundo quer pôr culpa nas capivaras. As capivaras são animais irracionais. Vocês, motoristas, animais racionais , deveriam pensar antes de atropelá-las.
O homem: Pensar, seu guarda? Se elas surgem de repente do mato, no escuro. Por melhor motorista que eu seja, é impossível.
O guarda: Isso é desculpa.
(Várias colisões acontecem quase simultaneamente, dez capivaras são lançadas ao palco, duas delas caem próximo à plateia).
O homem: Devia ser uma manada.
O guarda: E agora? Não saia daqui. Eu vou providenciar o fechamento do trânsito para evitar matança ainda maior.
(Chega um repórter com uma câmera)
O repórter: Foi o sr. que atropelou todas essas capivaras?
O homem: Eu atropelei uma só. A população de capivaras aumentou muito. Deveria haver um controle. Fora o risco da febre maculosa.
(Um rapaz com um cartaz em que se lê: ASSASSINOS DE CAPIVARA interrompe o homem e começa a falar para a câmera):
Deveriam proibir a circulação de veículos nessa rodovia e em todas as outras em que há capivaras. (voltando-se para o homem): Foi ele que matou todas as capivaras.
(Ouve-se um coro vindo do fundo do palco):
Vamos salvar as capivaras.
Fora, motoristas assassinos.
Fora , civilização dos veículos poluidores.
Vamos salvar as capivaras.
(Dezenas de capivaras de papelão, após uma sequência de colisões, caem sobre o repórter, o ativista, o homem e o guarda que retornou à cena. Somem todos os personagens soterrados pelas capivaras).
(Peça escrita no dia 22-8-2011)
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