quinta-feira, 8 de setembro de 2011

IMPOSTO TAXA IMPOSTO

Escrita em 7-9-2011
(Um homem de uns cinquenta anos está sentado em uma cadeira no centro da cena. Um outro homem com o rosto parcialmente coberto com uma espécie de máscara surge na cena de forma repentina e começa a falar): Eu vim cobrar a taxa de respiração. Você inspirou neste mês aproximadamente cinco bilhões de litros de ar da atmosfera e precisa pagar por isso.
O Homem: Como você chega assim sem bater? O que significa isso? Taxa de ar agora? Que novidade extravagante, estratosférica, extraordinária. Não bastam os impostos que eu pago? Oitenta por cento do meu salário vão para impostos, taxas, plano de saúde e seguro. Vou pagar agora pelo ar que respiro? Isso é um absurdo. Esperava tudo, menos isso. E não tem a mínima base legal.
O Mascarado: Todos irão pagar pelo ar que respiram. Esse ar puro. Respirar é uma atitude que suja esse ar tão maravilhoso. O imposto será cobrado para limpar o ar. Pelo bem da natureza e todos os seres.
O Homem: Ar puro?(ele tosse): O ar está poluído com monóxido de carbono ,hidrocarboneto, óxido nitroso, enxofre e fuligem. Fora outros inúmeros poluentes.
O Mascarado: Estudado o meu amigo. Sabe demais. Onde aprendeu essas baboseiras? Foi na escola? Isso é perigoso. Aprender demais não é bom porque ameaça a convivência em sociedade.
O Homem (levantando-se): Não sou seu amigo e não aceito ameaças. Como foi invadindo a minha casa sem mais nem menos? A porta não estava aberta. Como entrou? Só se foi pelas paredes. Que truque é esse?
O Mascarado: Eu sou o homem da taxa e do imposto. Não preciso pedir licença. Não sou uma pessoa, mas uma entidade que representa uma força superior. Eu entro pela parede, pelas janelas fechadas, pela fechadura.
O Homem: É um Deus? O Mascarado: Não exagere. Eu não sou nenhum Deus. No máximo, sou um funcionário dele. Um assessor especial, mas não tenho estabilidade. Meu cargo é de confiança. Tenho que cumprir com a minha missão da melhor maneira para me manter nele.
O Homem: Você na verdade é um impostor e cometeu uma impostura invadindo a minha casa.
O Mascarado: Eu não preciso pedir licença. Eu chego, entro e imponho. É a minha função. Sou pago para isso. Sou o homem dos impostos. E atualmente estou implantando o imposto da respiração. É difícil tornar totalmente claro o motivo da cobrança de imposto tão original. Nunca neste país houve antes um imposto tão criativo. Saiu até no New York Times. Eu apareço na foto. Estou me tornando importante.
O Homem: Que violência. Estou sendo vítima de um assalto. (grita): Socorro! O homem dos impostos invadiu a minha casa, o meu corpo e a minha alma.
O Mascarado: Não tente reagir. Não seja dramático. Todos reclamam, mas acabam pagando. Se você não pagar a taxa de ar, você não poderá respirar mais.
O Homem: Aí eu morro? O Mascarado: Não é inteligente? Quem não respira morre.
O Homem: Como você vai me impedir de respirar se eu não pagar a taxa? O Mascarado: Quem não paga a conta de água tem a água cortada, quem não paga a taxa de ar tem a respiração cortada.
O Homem: De que maneira? O Mascarado: Isso eu não posso afirmar com certeza. O método mais usado é sufocamento.
O Homem (sem se intimidar): Eu e toda a população deveríamos é receber uma indenização pela péssima qualidade do ar, não sofrer uma punição por respirar. Quem polui o ar são as indústrias, os carros, não nossos pobres pulmões.
O Mascarado: Você é um sonhador. Ainda acredita no mundo perfeito, mas não é assim que funciona. Pertencemos a uma época pragmática. As ideologias foram substituídas pelo pragmatismo. Falar em ideologia hoje é o mesmo que imaginar que ainda existem dinossauros nas florestas e até nas ruas.
O Homem: Tudo tem um limite. Em nenhum lugar do mundo há tanta taxa e imposto como aqui. E agora estamos chegando ao cúmulo, ao crime mais vil e intolerável.
O Mascarado: Se não forem cobrados impostos, o país para. A segurança, a saúde, a educação dependem dos impostos pagos. Você não sabe disso? O Homem: Grandissíssimo impostor. Nunca houve tantos furtos de carro, tanta violência. Se houvesse segurança, isso não aconteceria. Pagamos impostos e quem nos livra dos ladrões? Quem nos livra dos péssimos serviços?
O Mascarado: Segurança é um conceito, não necessariamente um fato real. Temos bastante segurança, mas isso não significa que não venham a ocorrer assaltos, furtos, latrocínios. A violência faz parte da natureza humana. Isso nunca mudará. Mas há que segurança, isso é inegável. Eu mesmo estou com três seguranças lá fora me aguardando em caso de alguma reação perigosa. É só dar um assobio que eles entram.
O Homem: Que grande argumento. Pagamos para nos sentirmos seguros, nos fechamos em casas com cerca elétrica, alarme e câmeras e somos invadidos por criminosos como se isso fosse natural. Você também me invadiu, portanto você também é um criminoso.
O Mascarado: Veja lá como fala (em tom ameaçador): Eu represento a lei. Eu não invadi a sua casa, eu vim cobrar um tributo que está atrasado.
O Homem: E a saúde? Também é natural ser mal atendido em um hospital ou ficar horas esperando com dores no prontoatendimento?
O Mascarado: Isso não acontece. É invenção da mídia.
O Homem: O que aparece na televisão então é teatro, pura encenação? O Mascarado: É bem provável que seja.
O Homem: E a educação? O Mascarado: Nunca houve tanta gente estudando. Eu mesmo estou na faculdade. Faço direito.
O Homem:Ou torto?
O Mascarado: Torto é você que respira e não paga. Que pensa e não paga pelo pensamento.
O Homem: O quê? Está me dizendo que também vai ser cobrada uma taxa pelo pensamento? O Mascarado: Está em votação no Congresso. Como o governo tem maioria, deve passar em breve.
O Homem: Como regular o pensamento? Como saber quem pensou mais e quem pensou menos? O Mascarado: Provavelmente vão ser nomeados avaliadores que visitarão as famílias e farão entrevistas. Você, por exemplo, reclama muito, questiona demais e isso significa que deverá pagar mais.
O Homem: Só faltava essa. Taxa de Pensamento. Mais um imposto imoral.
O Mascarado (interrompe-o): Nenhum imposto é imoral.
O Homem: Que lógica fabulosa. Quem pensar menos pagará menos. Será um estímulo à passividade e à ignorância. Quem se manifestar mais, participar de protestos reclamando da má qualidade nos serviços como saúde, educação e segurança pagará mais do que aquele que não fala, não lê, não escreve e pensa só um pouquinho.
O Mascarado: Pouquinho não, o essencial. Pensar demais polui o ambiente, alimenta o conflito, a discórdia, a confusão. O pensamento único, a partir de regras bem definidas pelo governo, é favorável a todos.
O Homem: Que ideia mais ditatorial.
O Mascarado: Vivemos numa democracia.
O Homem: Vivemos numa impostocracia.
O Mascarado: Que engraçadinho. Só quando você for taxado exemplarmente, tendo que pagar altos impostos por respirar, por pensar, por questionar, por incomodar é que você ficará quieto e literalmente falido.
O Homem: Vá embora.
O Mascarado: Enquanto conversávamos, (tira da cintura um aparelhinho) eu media a sua respiração, inspirações e expirações, e cheguei a um número. Quando estiver no meu escritório, calcularei quantas vezes você respira por minuto, aí eu multiplico por 60 para atingir uma hora, depois 24 para atingir um dia e, após, por 30, para dar a sua despesa mensal. É simples.
O Homem: E vergonhoso.
O Mascarado: Se não pagar, será desligado até que volte a pagar.
O Homem: Você quer dizer que virão me matar? O Mascarado: Ninguém mata neste país. Aqui não há pena de morte. Simplesmente você será desligado e, quando pagar, será devidamente religado, como acontece com a energia elétrica, a água, o esgoto.
O Homem: Como eu vou sobreviver desligado? O Mascarado: Esse é um outro problema que não cabe a mim resolver. O meu departamento tem a responsabilidade de taxar a respiração e emitir os boletos. O que virá depois será da alçada de um outro funcionário. Tudo bem calculado e organizado. Primamos pela qualidade do nosso serviço.
O Homem (ironicamente): Que qualidade! Um dia não haverá mais população neste país. De tanto pagar taxas e impostos, não sobrará dinheiro para comer. Só os milionários e os bilionários sobreviverão. A minha faxineira, que vem aqui uma vez por semana, não aguenta mais pagar impostos. Não almoça para economizar. Come uma banana e uma goiaba na hora do almoço e depois à noite janta arroz, feijão e farinha. Carne e salada nem pensar. Quando ela vem aqui, sirvo-lhe um almoço decente, mas ela me diz que nas outras casas em que trabalha ninguém lhe serve nada. Se não fossem a banana e a goiaba que ela leva, morreria de fome no meio da faxina. E vocês querem ainda mais? O Mascarado (em tom discursivo): Pelo bem da nação, das instituições e dos milhares de trabalhadores em cargos de confiança, os impostos são cada vez mais necessários. Como manter as mordomias,as folias, as regalias se não forem criadas taxas e mais taxas.
(começa a cantar): Respirar polui o ar.
É preciso cobrar.
Pensar polui o ar.
É preciso cobrar.
Caminhar polui o ar.
É preciso cobrar.
Peidar polui o ar.
É preciso cobrar.

Precisamos de impostos.
Quanto mais, melhor.
O povo aprova.
O povo vota.
O povo agradece.
Um impostinho aqui, outro impostinho ali.
E tudo se resolve.
Nada de reclamar.
Reclamar polui o ar.
É preciso cobrar.
Protestar polui o ar.
É preciso cobrar.
Denunciar polui o ar.
É preciso cobrar, cobrar, cobrar.
Até esgotar a nossa capacidade
De inventar impostos, taxas, impostos,
Taxas, impostos, taxas.
O Homem: (dá um grito): Chega. Fora! Não volte nunca mais.
O Mascarado: Eu não volto, mas outro virá para cumprir as ordens, para cobrar as taxas e para desligar o que precisa ser desligado. Não pagou a luz, fica no escuro, não pagou a água, fica com as torneiras secas, não pagou para respirar, fica sem ar até sufocar.
(volta a cantar): Não pagou o ar
Para respirar
Fica sem ar
Até sufocar.
Se pagar, volta a ligar.
Mas se não der para ligar,
Não tem problema,
Tudo foi feito dentro da lei.
Não há para quem reclamar.
O Homem: A que ponto chegamos. Em pleno século XXI, amarrados à ditadura das taxas, dos impostos, como se fosse uma camisa de força.
O Mascarado: Não seja dramático. E reclame menos. Produza. Produzir é a grande sacada. Você produzindo mais, lucrará mais...
O Homem (interrompe-o) E pagarei mais impostos.
O Mascarado: É assim que funciona. E com a tecnologia controlando cada vez mais os movimentos de cada indivíduo, logo mais colocaremos um chip em cada um e aí não haverá mais jeito de sonegar. Num futuro próximo, será possível, sem risco de cometer erros, medir quantas respirações cada um realiza por dia. O nosso sistema é justo. Cada um tem um ritmo pulmonar próprio. Não seria justo cobrar uma taxa maior de quem respira menos. Mesma coisa se dará com o riso.
O Homem (horrorizado): Imposto de risada? O Mascarado: Vai se chamar imposto do riso. Quem rir mais pagará mais.
O homem (curioso): E se chorar? O Mascarado: Sorrir, chorar, bocejar. Tudo será taxado. Quem boceja muito polui o meio ambiente. Espirro, então, é altamente poluente. Não é justo que quem não espirra, além de sofrer com as bactérias liberadas no ar, pague os mesmos impostos daquele que espirra. Imposto de tosse. Só assim ninguém deixará mais de se vacinar contra a gripe. Imposto de fumaça liberada pelos fumantes. Imposto para todos os fins.
O homem: Se não houver uma revolta geral, uma desobediência civil, estamos perdidos.
O Mascarado: Como ousa? O sistema de captação de impostos e taxas está cada vez se aperfeiçoando mais. Ninguém escapa.
O Homem: E uma taxa indenizatória para quem for assaltado, mal atendido em um hospital, quem tropeçar em um buraco na rua ou na calçada? Não vão criar esse imposto para que o governo pague.
O Mascarado: Não inverta os fatos. Vim aqui para cobrar o imposto da sua respiração. E aproveitei para lhe adiantar sobre os novos impostos que serão criados. Gosto de esclarecer, de comunicar tudo da maneira mais clara e transparente possível para que não paire nenhuma dúvida, para que depois não diga que eu não avisei. Respire menos, ria menos, reclame menos, boceje menos, espirre menos, tussa menos, fale menos. Se você agir assim, no final do mês o seu salário sobrará para pelo menos comer uma pizza de mussarela com a família. Por falar nisso, cadê a sua família? A sua mulher, os filhos, o cachorro, o gato, os passarinhos. Eles também vão ser taxados. Todos os que respiram nessa casa irão pagar imposto. E não adianta dizer não. Quem não pagar será desligado. Como acontece com a água e com a energia elétrica. (olha para o Homem que está totalmente transtornado): Não é justo? (olha para a plateia): Não é justo? Não querem responder? Então é melhor que não digam nada.
(As luzes se apagam e o mascarado olha para a plateia com um ar autoritário).

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