quinta-feira, 8 de setembro de 2011

UM MINUTO É MUITO

UM MINUTO É MUITO
(São várias cenas rápidas, com inúmeros personagens. O número de atores pode ser bem variável, com cada um deles assumindo vários papéis).
Primeira Cena
(Um casal de namorados em uma casa praticamente sem móveis. Ela anda depressa falando ao celular enquanto ele tenta falar com ela).
Ele: Bem, preciso falar com você.
Ela: Fala rápido. Estou ocupada. Negócios.
Ele: Me dê um minuto.
Ela: Um minuto é muito.
Ele: Preciso lhe dizer que te amo.
Ela: Já ouvi. (volta a falar no celular).
Ele: Você não diz nada?
Ela: Não me atrapalhe com besteiras, amor.
(As luzes se apagam)
Segunda Cena

(Um patrão e um empregado)

Empregado: Por favor, quero lhe falar um minuto.
Um patrão: Isso é tempo demais. Você vai me indenizar pelo tempo perdido?
Empregado: Trinta segundos então.
Um patrão: Fale logo.
Empregado: Preciso de um aumento.
Um patrão: Só se for de trabalho, isso não falta. (Ambos saem de cena).


Terceira Cena

(Um casal deitado no chão como se fosse cama).
Ele: Foi bom para você?
Ela: Perfeito. Um minuto. Até é tempo demais. Da próxima vez a nossa meta é atingir os trinta segundos.
Ele: Você me ama ou quer bater algum recorde?
Ela: O importante é eficiência: no trabalho e na cama. Somos um casal perfeito e ágil. Casal modelo século XXI.
(As luzes se apagam).

Quarta Cena
(Dois homens em um restaurante e um garçom)
Primeiro homem: Faz um minuto que pedi o filé.
Segundo homem: E eu um minuto que pedi o peixe.
Garçom: Está saindo.
Primeiro homem: Pode cancelar. Sou um homem de negócios. Não posso esperar tanto tempo por um prato.
Segundo homem: Vamos para um outro restaurante mais pontual. Levar mais de um minuto para preparar um peixe é um absurdo.
Garçom: Me desculpe, mas o cozinheiro tem muitos pedidos.
(Os dois homens saem do restaurante irritados).
Quinta Cena
(Patrão e funcionária)

Patrão: Você está despedida. Atrasou hoje 58 segundos e oito décimos.
Funcionária: Foi só hoje por causa do trânsito.
Patrão (pega anotações em um papel): Ontem, atrasou 13 segundos e dois décimos, anteontem atrasou 7 segundos e quatro décimos, na semana passada atrasou na quarta-feira 2 segundos e cinco décimos).
Funcionária: O sr. me desculpe.
Patrão: Pode passar no RH e acertar as suas contas.
(Ela sai chorando e o patrão sai impassível, sério).
Sexta Cena
(Médico e paciente no consultório)

Médico: A senhora está com virose.
A paciente: O sr. nem me examinou.
Médico: A sua receita.
A paciente: Já estava pronta?
Médico: Até logo. (despacha a paciente sem dar a mão para ela). Ainda tenho seiscentos pacientes para atender hoje. Um por minuto.
(A paciente sai tossindo e indignada. As luzes se apagam).

Sétima Cena
(Professor e dois alunos na classe):
Eu vou recolher as provas. Só falta um minuto.
A aluna: Mais um pouquinho só, professor.
O aluno: Ainda falta responder duas questões.
Professor: (consulta o relógio): Já deu um minuto. (Recolhe as provas enquanto os dois alunos ficam com cara de decepção).
(Saem de cena)

Oitava Cena
(Mulher joga lixo solto na rua enquanto um homem a observa):

Homem: A senhora, Dona Dalva, não aprende. É advogada e joga lixo na rua.
Mulher: Sou uma mulher ocupada. Não tenho tempo para pensar em lixo.
Homem (furioso): Mas jogar pode.


(Ambos saem de cena correndo, ele tentando alcançá-la).
Nona Cena
(O assaltante e a vítima dentro da casa que foi invadida por ele).

O assaltante: Me passa logo o dinheiro que eu tenho um assalto agendado para a casa ao lado para daqui a um minuto.
(A mulher passa o dinheiro para o ladrão sem reagir. O ladrão sai correndo e a mulher olha para ele assustada).
Décima Cena
(O médico e o chefe do hospital)
O chefe: Recebi uma denúncia que ontem o sr. ficou só um minuto no plantão de 12 horas. E tem sido assim em quase todos os seus plantões.
O médico: E os plantões que eu tenho na mesma hora em outros hospitais de bairros distantes como ficam?.
(Os dois ficam parados em cena, um olhando para o outro).
Décima primeira cena
(O pai e a filha falando ao celular um diante do outro.)

O pai: Preciso falar com você.

A filha: Pai, há quanto tempo.

O pai: Quando poderemos conversar pessoalmente?

A filha: Eu prefiro falar com você, pai, celularmente, é mais emocionante. Da próxima vez, me manda uma mensagem.
(O pai fica falando sozinho no celular já que a filha desligou).
Décima segunda cena
(Mulher espera no ponto de ônibus enquanto acena sem que nenhum pare para que ela possa subir. Barulho de vários ônibus passando).
Mulher: Preciso aprender a tomar ônibus voando. Sem asas, fico aqui a ver navios, quero dizer, a ver ônibus voadores que não estão nem aí para nós, pobres mortais que não sabem voar).
Décima Terceira Cena
(O marido lê o jornal folheando-o com uma velocidade espantosa).
O marido: Já li o jornal inteiro.
A mulher: (espantada): Em um minuto? (Para testar o marido): Quais as principais notícias?

O marido (Pensa, enrola) É...., que pergunta difícil. Já esqueci.
(A mulher olha para ele de forma zombeteira).
As luzes se apagam.

Décima Quarta Cena
(Dois turistas):

-Que viagem fantástica.
-Você acha?
-Visitar dez países e trinta cidades em uma semana.
-De que lugar você gostou mais?

-Posso ser sincero? Do avião.
(Ficam olhando a paisagem como se estivessem distantes, em outra dimensão).
Décima Quinta Cena
(Dois homens caídos no chão, após terem sido atropelados).
-Você viu o carro que nos atropelou?
-Algum carro nos atropelou?
-Eu tenho certeza que morri. E você?

(Barulho de trânsito, buzinas, pessoas gritando: -Passa por cima; o farol fechou. Os dois atropelados continuam no asfalto sem se mover).
Décima Sexta Cena
(Um casal em lua de mel)

Ela: Eu me sinto tão feliz com o nosso casamento.
Ele: Eu também, mas já está na hora da gente se divorciar.
Ela: É tão romântico se divorciar na lua de mel.
Ele: Pode não ser romântico, mas é prático.
Ela: Eu te amo.
Ele: Já passou.
(Olham-se friamente).
Apagam-se as luzes.

Décima Sétima Cena
O entregador de pizza entrega a pizza para o morador da casa, que está falando ao celular).
O morador: Mas já chegou? Ainda nem tinha falado os sabores para a moça da pizzaria.
O entregador: Nem precisa.
(Entrega a pizza e o morador vai correndo para dentro de casa gritando):
-Vamos comer logo se não esfria.
Décima Oitava Cena
(Um deputado dando uma entrevista):

A repórter: É verdade que o sr. compareceu durante todo o seu mandato um dia sono e ficou só um minuto no plenário?

O deputado: E apresentei um projeto espetacular em um minuto. E quem comparece a todas as sessões e não apresenta nenhum projeto?

A repórter: Que projeto era esse?

O deputado: Um superprojeto, um megaprojeto, um hiperprojeto. Mas prefiro não falar sobre ele que tomaria o meu tempo que é muito precioso.
(A repórter olha para ele com cara de tacho e não diz nada).
Apagam-se as luzes.

Décima Nona Cena
(Uma mulher assustada):
Não estou vendo ninguém nas ruas. Nenhum carro, nenhuma pessoa, nenhum cachorro, nenhum gato, nenhum passarinho, nenhuma moto, nenhum edifício, nenhuma casa, nenhuma lanchonete do McDonalds, nenhum shopping. Será que o mundo acabou mesmo ou é boato?

(Apagam-se as luzes).
Vigésima Cena
(Duas amigas se encontram na rua e se beijam).
Primeira amiga: Oi.
Segunda: Tchau.
Primeira: Tchau.
Segunda: Até.
Primeira: Até.
(Saem correndo, cada uma em uma direção).
Vigésima Primeira Cena
( A mulher, carregando um cachorro de pelúcia que representa o cachorrinho que ela comprou no pet shop no dia anterior).

A mulher: Eu comprei este cachorrinho lindo aqui ontem e ele morreu hoje.
A dona do pet shop: Quanto a senhora pagou?
A mulher: 400 reais.
A dona: Então foi por isso. Quanto menor o preço, menor o prazo de validade. Um cachorro de 1000 reais dura um ano, de 400 dura um dia. A senhora verificou o prazo de validade?

A mulher (examina o cachorro): Está escrito que vence hoje.
A dona: Hoje é tudo muito rápido. Nem nos damos conta que é necessário examinar o prazo de validade. Ele durou um dia dentro do prazo. Mais alguma dúvida?
A mulher: Não. (sai chorando carregando o cachorro).
Vigésima Segunda Cena
(Um homem pergunta para um outro homem na rua):
-O sr. viu um elefante passando por aqui?

-Faz tempo. Mais ou menos um minuto.
-É, de fato faz muito tempo. Eu pensei que ele tivesse passado há no máximo dez segundos.
(Caminham até desaparecer).
Vigésima Terceira Cena
( O presidente do clube conversando com um dos diretores):
Presidente: A partir de agora, quando tivermos que homenagear um ex-atleta ou ex-diretor que tenha falecido, faremos um segundo de silêncio. Aí todos respeitam. Um minuto é muito. Começa aquela barulheira que a homenagem perde o sentido.
(O diretor concorda com a cabeça sem dizer nada).

Vigésima Quarta Cena
(O padre está celebrando o casamento e diz para o noivo):
O sr. aceita a Regina Roberta em casamento?
-Sim. Só que ela não chegou ainda, seu padre.
-Ela está atrasada um minuto. Pelo menos você já está casado. Para ela, será preciso agendar outra data porque tenho outro casamento daqui a um minuto.
(O noivo fica olhando para o padre sem entender nada).

Vigésima Quinta Cena
(Dois rebeldes armados rendem o tirano):

-Assassino, ladrão, corrupto. Está há 42 anos no poder e ainda pede mais um minuto?
(As pessoas gritam do lado de fora): Forca, forca, forca para o tirano!
(Eles o agarram, o amarram e o levam para dentro onde provavelmente será julgado e enforcado).
Vigésima Sexta Cena
(A mãe reclama para a diretora da escola da merenda servida durante o ano na escola do filho dela ter sido à base de salsicha).
Mãe: O meu filho só comeu salsicha este ano. Foi quase uma tonelada de salsicha.
Diretora: Quem come uma tonelada de salsicha neste país? E não tome o meu precioso minuto que ele vale muito.
(A mulher sai nervosa, esbravejando).
Vigésima Sétima Cena
( Uma mulher bem gorda está deitada numa mesa que representa uma maca. Na parede está escrito: Lipoaspiração flash).
Paciente: Doutora, é seguro?

Doutora: E rápido. Lipoflash. Demora um minuto.
(As luzes se apagam e voltam a se acender. A mulher, antes gorda, está extremamente magra e não consegue se sustentar em pé):
Paciente: Estou tão fraca, doutora. Será que vou morrer?

Doutora: Isso eu não sei lhe dizer. O importante é que a lipo funcionou.
(A paciente sai de cena apoiada pela médica e uma enfermeira).
Vigésima Oitava Cena

(Duas mulheres conversam ao telefone, uma de cada lado do palco).

-Alô, Paula. Estou com saudade. Há quantos anos não nos falamos.
-Fernanda, eu estou ocupada. Daqui a um minuto te ligo.

(As luzes se apagam, a mulher ocupada saiu de cena. A que espera o retorno do telefonema está ao lado do telefone. As luzes se apagam e se acendem várias vezes enquanto a mulher que espera vai envelhecendo, os cabelos vão ficando brancos e a pele enrugada).
A mulher(desesperada, dá um grito): Que minuto é esse?

(As luzes se apagam).
Vigésima Nona Cena

(Um homem aparentando mais de 90 anos):

O tempo escorreu como água na torneira. Quem disse que eu tenho 98 anos? Só passou um minuto. E eu não vi o dito cujo.
(Fica paralisado, olhando para o vazio. As luzes apagam-se).

Trigésima Cena
(Um homem e uma mulher entram em cena e começam a discutir. Esta cena deve demorar rigorosamente um minuto).

Ele: Um minuto é muito.
Ela: Um minuto é pouco.
Ele: Um minuto é pouco.
Ela: Um minuto é muito.
Ele: Um minuto é muito.
Ela: Um minuto é muito.
Ele: É pouco.
Ela: É muito.
Ele: É pouco muito.
Ela: É muito pouco.
Ele: Um minuto é tudo.
Ela: Um minuto é nada.
(peça escrita no dia 8 de setembro de 2011).

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